terça-feira, julho 20, 2010

O Almoço dos Crachás

Qualquer pessoa que trabalhe em São Paulo já passou por isso: o fatídico dia em que você tem que almoçar na praça de alimentação do shopping. Algumas pessoas curtem de verdade. Parecem crianças na frente de uma fase nova do Pense Bem. Coisa que eu não me entra na cabeça. Parece um selva onde crachás e camisas de poliéster perseguem inocentes mesas da pradaria e cadeiras de material duvidoso. E o pior, filas. Fila para pegar a salada, fila para pesar a comida, fila para pegar o cardápio, fila para pegar a fila. Um inferno. Até na frente do pet shop tem fila pra pegar Fila. Não?

Cheguei à dita cuja praça do shopping sozinho. A idade me forçou a reiniciar uma academia que há muito foi trocada por cerveja, calabresa acebolada e escadas rolantes. Esse exercício é, na maioria dos dias, praticado na hora do almoço, já que a vida de publicitário não permite atividades com horários humanos. Sozinho por que ir “malhar”na hora do almoço é tão atrativo quanto um espacate do Serguei.

“Vamos almoçar cara?”

“Não posso. Tenho que ir na academia. Quer ir?”

“Não posso, tenho que trabalhar até mais tarde”

“Mas você não ia almoçar?”

“Eu um pouco ocupado. Podemos falar outro dia?”

O primeiro perrengue é escolher o restaurante. Massa, Fast Food, Mexicano, Comida por quilo, Natureba, Batata, Comida Caseira de Shopping. Tem de tudo. O primeiro a ser descartado é o restaurante que abriu na mesma semana. Coxinha de escritório tem mania de novidade. Basta aparecer uma placa de “Em Breve” na frente de uma loja fechada por tapumes, que começam a surgir barracas de acampamento coorporativas com notebooks e blackberries acoplados.

Decido por um combo japa, que de combo só tem o preço. Algumas miseras fatias de salmão se misturam com uma cenourinha ralada e um mar Adriático de shoyo. Espero ansiosamente chamarem o número que me foi entregue no caixa junto com a notinha do pagamento. O circulo feito com caneta Bic falhada em volta do “106” me deixa preocupado. Mas é aí que os inocentes de coração fraco se enganam. Não importa o seu lugar na fila de numerais. Você nunca é chamado na ordem correta como é de se esperar. Apenas uma coisa é certa, você vai sempre ser chamado quando estiver de costas para o restaurante.

Aí começa a segunda parte da brincadeira. Encontrar uma mesa para se sentar. Ainda hoje fico impressionado com a quantidade de crachás que saem na frente dos seus donos para segurar uma mesa no shopping. Mas como meu apartamento é pequeno fico com dó de levar um crachá abandonado pra casa. Não tem espaço pro coitado brincar, e ele vai ficar sozinho o dia inteiro, sem ninguém conferindo a foto ou chamando o nome impresso, pelo qual aliás ninguém te chama. O que um crachá come?

Finalmente encontro uma mesa solitária. Fico feliz por não ter que compartilhar a mesa com um estranho como tantas pessoas fazem. Confesso que já é chato almoçar sozinho, mas comer com um estranho na mesa é pior ainda. Ah doce ilusão.

Opa, esse lugar tá ocupado?”

Sorrio e por um momento penso em induzir autismo. Será que pega mal?

“Não, não. Tá livre”

Ainda tenho uma leve esperança de se tratar de um agente da dengue, procurando focos de água parada. Será que meu copo cheio representa um perigo? Se bem que eu li em algum lugar que a combinação de gelo e limão afasta o mosquito.

“Posso me sentar?”

Será que tem regra de etiqueta nessa situação?

“Fica a vontade”.

Droga.

Alguns instantes de constrangimento se passam. O rapaz é fã dos “por quilos”. O prato do sujeito é recheado com a mistura tradicional que envolve salada, feijão com arroz, um peito de frango e uma coxinha (o ponto de rebeldia do prato). O anel de compromisso indica que o relacionamento com a namorada é recente. Sem qualquer sinal de desgaste tanto na pele quanto no prateado. O crachá da empresa balança em seu pescoço, sendo ameaçado de tempos em tempos por uma garfada exagerada de feijão. Ele ajeita o óculos com o dedo indicador. Acho que ele vai...

“Rapaz isso aqui tá cada dia mais cheio hein?”

Concordo com a cabeça.

Nos momentos de silêncio seguinte brincamos de encontrar um canto do shopping onde o outro não esteja olhando. Começo a apressar o tempo entre um sashimi e outro.

“Hoje o pessoal ficou preso numa reunião, sabe como é empresa ?”

Concordo com a cabeça pela última vez.

“Então rapaz acho que já vou indo. Bom almoço pra você”

“Mas você nem acabou de comer! Oi amigo...”

Deixo a bandeja em cima de um amontoado de garfos, copos e bifes à parmegiana. Será que controlaram a dengue?

quinta-feira, novembro 22, 2007

O Surgimento do Mundo

Muitos se perguntam de onde vem o planeta no qual vivemos. E o que não faltam são teorias. A religião católica considera que o mundo surgiu em 7 dias de labuta divina. Os cientistas acreditam em uma explosão sem precedentes. Já minha vizinha jura que tudo começou numa mistura envolvendo uma xícara de açúcar, um pé de cabra e muita falta de sorte. Bom, vou tentar explicar melhor.

Todo segundo domingo de julho, acontece uma quermesse muito famosa em minha cidade. Algum santo, que fez algum milagre, que mereceu ganhar um dia com seu nome. O mesmo critério utilizado para dar nome às ruas ou aos jogos como caxeta, buraco ou badminton. O importante é que essa feirinha, realizada na praça em frente à igreja matriz, costuma reunir centenas de pessoas de toda região.

E tem de tudo. Barraquinhas de paçoca e algodão doce. Vendas de livros em fita cassete com narração do Cid Moreira e títulos como Harry Potter e a Arca de Noé ou Desvendando Jesus. Tudo para tornar essa festa especial às pessoas que vêm de longe para matar a saudade desse santo dos feriados.

Enquanto me divertia em uma roda de apostas furiosa, olhando uma roleta girar com pessoas gritando palavras de ordem empunhando notas de 1 e 2 reais, senti alguém puxando a manga de minha camiseta. Fiquei surpreso quando vi uma pequena senhora parada ao meu lado. Mais assustado ainda foi quando lembrei que estava de regata. Que situação estranha.

- Fiquei sabendo que o senhor está interessando no começo de tudo? – disse-me com uma voz rouca e sofrida.
- Desculpa – retruquei - no começo do que?
- Silêncio! Eu exijo respeito!
- Mas... foi a senhora que...
- Eu o que? Você quer o que? Quem é você? Tira a mão da minha coxa! Segurança tira o gordo de cima de mim!

Passaram se quase duas horas na delegacia até que o mal entendido fosse esclarecido. Quando perguntei ao delegado quem era a senhora escandalosa, ganhei uma resposta pouco convencional:

- Aquela senhora escandalosa, é minha mãe.

Quase 2 semanas depois, consegui sair da prisão graças a um hábeas corpus que troquei por dois maços de cigarro e uma noite de amor. Esse negócio de descobrir a origem das coisas estava ficando perigoso. Decidi que não pediria mais ajuda às pessoas. Fiz então a única coisa sensata que me veio à cabeça; fui procurar um poeta de rua.

Não é difícil encontrar esse tipo de mago das palavras. A receita é simples. Sente em uma mesa de bar. Peça uma cerveja e em seguida comece a filosofar sobre a vida. Despretensiosamente junte as palavras Camões e Calabresa Acebolada. O efeito é uma espécie de “Shazam”. E o super-herói das palavras aprisionadas em guardanapos aparece.

- Oh meu mestre. Posso contar em palavras o que vejo com o coração?

É impressionante ver essa espécie em ação. Ele se debruça sobre a mesa em busca de um copo sobressalente, enquanto deixa escapar por entre os lábios ressecados:

- Mestre, tem um gole pra adocicar as palavras?

Claro que não! E outra, desde quando cerveja é doce? Tirando cerveja de balada que vem com groselha, a minha nunca foi doce. E esse é o menor dos problemas. Quando não acha o copo ele ousa um passo a mais, e antes que alguém possa reagir, chamar a polícia ou o professor de boxe ele já está com a garrafa nas mãos.

Juro que nesse momento todos os sintomas do mundo me atacam. Coceira nas mãos, olhos lacrimejando, desmaio involuntário, urtiga de sapo-boi. A pressão sobe, o humor desce. Sem reação vejo o poeta tomando a minha querida e idolatrada cerveja no gargalo. E o pior ainda segue:

- Ahhhhhh – suspira ele, limpando a boca com a manga suja da camisa florida – eu tava precisando. Toma um gole aí chefe que a loira é sua!

- Não, muito obrigado perdi a sede.

Chego a cogitar a idéia de abandonar o bar e minha missão. Mas respiro fundo e decido continuar:

- Poeta me diga como surgiu o mundo?

- Ah meu rei, isso é simples. Mas preciso de um trocado para a inspiração – confessa com um sorriso tímido nos lábios.

- Já te dei minha cerveja – respondo irritado – vai me conta.

- Vai ser mesquinho é chefia? – retruca ele com um olhar ameaçador.

- Sim vou ser mesquinho – respondo com firmeza.

- Ok chefia então vai ser sem emoção.

Ele começou a rabiscar no guardanapo:

“A vida começa, a vida acaba.
O homem nasce, cresce e perece.
Até mesmo a mais bela onda quebra,
Quando encontra com a areia no agreste.

E assim começou a vida na Terra,
De um pequeno grão de açúcar,
Que se desprendeu do torrão divino,
E foi amaldiçoado pela eternidade a vagar.

O pequeno doce vagava pela escuridão
Até encontrar o mais improvável companheiro
No meio da penumbra sem fim
Encontrou um pé-de-cabra maneiro.

Os dois decidiram prosseguir juntos,
Para enfrentar os desafios unidos,
Juntaram toda a coragem que tinham,
E deram o primeiro passo rumo ao desconhecido.

Mas o azar recaiu sobre suas costas,
Se bem que nenhum dos dois carregava.
Não digo azar meu amigo, não me entenda mal.
Apenas costas, não tinham o grão de açúcar nem o pé-de-cabra”.


- E aí, por que parou de escrever? – perguntei ansioso.

- E aí que esse foi sem emoção – retrucou malicioso o poeta.

Putz. Estava tudo ali. O grão de açúcar, o pé-de-cabra e só faltava uma coisa. Mas o que era mesmo?

- Garçom, tem açúcar e um pé-de-cabra? – perguntei.

- Claro chefe, vai querer um copo com gelo e limão?

- Não só isso mesmo, obrigado.

Juntei tudo ali em cima da mesa mesmo. O poeta já estava jogando seu charme para um outro casal. Fiquei tentando imaginar o que seria o último elemento que fez com o mundo surgisse. Não consigo lembrar, que AZAR.

E a vida recomeçou.

segunda-feira, novembro 19, 2007

Sweet Little Viking

Esta incrível história começa há muito tempo atrás, nas terras gélidas e distantes do ártico. O cenário era impressionante. Enormes geleiras se impunham ao longo de todo horizonte. O único som ficava por conta do vento frio, que assoviava quando passava por entre as frestas da imponente formação glacial.

De repente o silêncio foi interrompido por um barulho estridente, parecido com o disparo de um canhão. Um pedaço generoso de gelo havia se desprendido e agora flutuava solitário em direção à imensidão do mar.

O cubo de gelo navegou durante muito tempo. Enfrentou tempestades e ondas gigantes. E um dia, quando os dias se tornaram semanas e as semanas viraram meses, o pequeno iceberg finalmente atracou na bela praia de Vilaensolaradabeiramar.

Generosas gotas de água surgiram na superfície do pedaço de gelo quando o sol atingiu o meio dia. Um casal de abelhas que voava pelo local notou aquela cena curiosa. Quando se aproximaram, notaram que por trás das camadas geladas surgiu um garoto. Mas não um garoto qualquer. Tratava-se de um pequeno viking.

É a partir desse ponto que começa a história do Sweet Little Viking. Criado dentro de uma colméia por abelhas, graças a um tipo especial de mel que fez com que encolhesse, ele viveu feliz.

Foi só depois de adulto que o antes pequeno garoto descobriu que não pertencia àquele lugar. Encorajado pelos pais abelhas, ele voltou ao seu tamanho normal e partiu com a missão de conhecer os seres humanos. E eu não disse “antes pequeno” à toa. Por ter sido criado a base do Super Mel das abelhas, o pequeno viking atingiu altura e força incomuns.

Quando chegou a cidade, causou muita confusão principalmente devido às suas roupas. Afinal, as pessoas já não estavam acostumadas a verem um homem daquele tamanho, ainda mais vestido com trajes de abelha. Isso fez com que muitos dessem risada dele, e acabassem com um olho roxo.

Foi nesse meio tempo que ele conheceu João, um menino esperto de sete anos, sua prima Majuca de três e Fajoca, um cachorro sempre vestido com jaqueta e calça de couro. São eles que descobrem o talento do pequeno viking para a culinária. Talento esse proveniente do segredo milenar da produção de doces, herdado das abelhas.

E é na lanchonete “A Abelha que Ri”, onde a habilidade do Sweet Little Viking é colocada em prática, que essa galera vive as maiores aventuras. É lá que se reúnem com o gênio Nishio, um inventor talentoso e um pouco maluco; com Marins, um professor de História da Arte revoltado e os amigos Marina e Mathias.

Odiado por alguns, como seu arqui-rival Sweet Little Wasp, um viking criado por vespas, e amado por outros, como os seguidores da Seita dos Que Esperam, que o consideram seu líder prometido, o Sweet Little Viking chega para arrumar muita confusão, sempre com um toque de mel.

Sweet Little Viking é um desenho criado por um talentoso amigo para seu filho. Tive o prazer de escrever esta primeira sinopse. Não deixem de acessar: http://www.sweetlittleviking.com/ .

quarta-feira, novembro 14, 2007

O Último Dia

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A chuva caía intensamente do lado de fora. A pequena janela de vidro era forçada de tempos em tempos contra o aro de madeira, provocando um barulho irritante. E foi justamente esse som incômodo que tirou o homem do transe.

Ergueu os olhos e encontrou a janela entreaberta. Refletiu por alguns segundos. Tomou coragem e levantou da cama. Assim que passou o trinco na baderneira, sentou-se novamente na cama desarrumada.

Alguns segundos se passaram até que resolveu se situar no tempo. Olhou para a sombra na parede. Já eram quase 5 horas da manhã; logo amanheceria. “Afinal de que me adianta comemorar o nascimento de um novo dia? – pensou balançando a cabeça”. Levantou e foi até o canto oposto do quarto.

Uniu as mãos em forma de concha, juntando as palmas com firmeza. Mergulhou-as na bacia de água que jazia sobre um pequeno banco de carvalho. Enquanto olhava a água agitada deformando seu rosto pensou: “Meu último dia de vida e eu tomando banho nessa porcaria”. Jogou o liquido no rosto.

A chuva cessou. Os primeiros raios solares invadiram o pequeno quarto revelando as paredes castigadas pela umidade. Manchas escuras se espalhavam por todo canto. Rachaduras que saiam do chão e se perdiam no teto completavam o cenário decadente. E ali, no meio de tudo, estava ele, sentado com as mãos no rosto. “O que é que eu fiz para merecer isso? – pensou com tristeza”.

Do lado de fora já era possível ouvir a chegada dos operários. Com certeza vinham aprontar o palco para a festa mórbida de sua despedida. E o pior, centenas de pessoas estariam presentes, rindo, torcendo pelo espetáculo. “Como existe gente sem coração nesse mundo – pensou chacoalhando a cabeça”.

Batem na porta.

- Garcia, tá acordado? – perguntou a voz abafada.
- Sim – respondeu o rapaz de mau humor.
- Quer comer alguma coisa especial hoje? Sabe que você tem direito à refeição que escolher.

A sua última refeição naquele lugar. O que pedir? Sopa? Carnes? Massa? Não conseguia pensar em comida. E para piorar, o barulho de martelos, serras e operários conversando não o deixava pensar. Eles conversavam animadamente sobre a esposa de um deles. “Ela não me dá sossego – reclamava – Todo dia é a mesma coisa. Arruma a sua sujeira, – imitava-a com uma voz estridente - tira os pés da mesa, escova os dentes. Não agüento mais”.

Sentiu pena do homem. Balançou a cabeça. Lembrou-se do que fazia ali hoje. Suspirou com tristeza.

As imagens de sua vida passavam a sua frente com velocidade e realismo impressionantes. O primeiro dia em que foi ajudar o pai no campo. A primeira briga com o gordo do Pedrão atrás do armazém do seu Chico. O primeiro beijo que contou aos amigos. O primeiro beijo de verdade. As bebedeiras com os primos. E para que lembrar de tudo aquilo? Estava condenado.

Bateram na porta novamente. Era o segundo e último aviso. Estava sendo vigiado. Não havia como escapar. Começou a vestir os trajes que estavam em cima da cadeira. Não se apressou. Cada meia foi colocada em aproximadamente 40 minutos.

Não sabia quanto tempo havia passado. O sol àquela altura já brilhava com força e seus raios quentes invadiam o pequeno cômodo. Os operários haviam terminado. As pessoas já se amontoavam do lado de fora da janela. Podia ouvir o rebuliço.

Dois homens entraram no quarto apressados.

- Vamos logo Garcia, – disse o primeiro – chegou a hora.
- Não torne isso mais difícil para nós – completou o outro.

Ele se levantou e caminhou entre os dois homens para fora do recinto. Uma porta de abriu na sua frente. Depois outra. Um corredor. Outra porta. Luz. Muita luz.

O povo gritou alto quando o portão se abriu. Lá estava ele, escoltado por dois homens. Seu abatimento era visível.

A caminhada pelo corredor improvisado foi longa. De ambos os lados, o homem era afrontado por uma gritaria ensurdecedora.

Subiu as escadas. Degrau a degrau. O suor escorria pela sua testa. Lá estava o carrasco, sóbrio, sem emoção. Pensou em um plano de fuga. Poderia correr, se misturar ao povo. Uma mão firme agarrou seu braço. Era tarde. Virou-se para o carrasco. O povo silenciou.

Com serenidade o homem todo de preto à sua frente olhou em seus olhos, depois olhou para a mulher ao seu lado e disse:

- Estamos reunidos aqui hoje, para unir essas duas almas, no santo matrimônio.

Suspirou.