
Cheguei à dita cuja praça do shopping sozinho. A idade me forçou a reiniciar uma academia que há muito foi trocada por cerveja, calabresa acebolada e escadas rolantes. Esse exercício é, na maioria dos dias, praticado na hora do almoço, já que a vida de publicitário não permite atividades com horários humanos. Sozinho por que ir “malhar”na hora do almoço é tão atrativo quanto um espacate do Serguei.
“Vamos almoçar cara?”
“Não posso. Tenho que ir na academia. Quer ir?”
“Não posso, tenho que trabalhar até mais tarde”
“Mas você não ia almoçar?”
“Eu tô um pouco ocupado. Podemos falar outro dia?”
O primeiro perrengue é escolher o restaurante. Massa, Fast Food, Mexicano, Comida por quilo, Natureba, Batata, Comida Caseira de Shopping. Tem de tudo. O primeiro a ser descartado é o restaurante que abriu na mesma semana. Coxinha de escritório tem mania de novidade. Basta aparecer uma placa de “Em Breve” na frente de uma loja fechada por tapumes, que começam a surgir barracas de acampamento coorporativas com notebooks e blackberries acoplados.
Decido por um combo japa, que de combo só tem o preço. Algumas miseras fatias de salmão se misturam com uma cenourinha ralada e um mar Adriático de shoyo. Espero ansiosamente chamarem o número que me foi entregue no caixa junto com a notinha do pagamento. O circulo feito com caneta Bic falhada em volta do “106” me deixa preocupado. Mas é aí que os inocentes de coração fraco se enganam. Não importa o seu lugar na fila de numerais. Você nunca é chamado na ordem correta como é de se esperar. Apenas uma coisa é certa, você vai sempre ser chamado quando estiver de costas para o restaurante.
Aí começa a segunda parte da brincadeira. Encontrar uma mesa para se sentar. Ainda hoje fico impressionado com a quantidade de crachás que saem na frente dos seus donos para segurar uma mesa no shopping. Mas como meu apartamento é pequeno fico com dó de levar um crachá abandonado pra casa. Não tem espaço pro coitado brincar, e ele vai ficar sozinho o dia inteiro, sem ninguém conferindo a foto ou chamando o nome impresso, pelo qual aliás ninguém te chama. O que um crachá come?
Finalmente encontro uma mesa solitária. Fico feliz por não ter que compartilhar a mesa com um estranho como tantas pessoas fazem. Confesso que já é chato almoçar sozinho, mas comer com um estranho na mesa é pior ainda. Ah doce ilusão.
“Opa, esse lugar tá ocupado?”
Sorrio e por um momento penso em induzir autismo. Será que pega mal?
“Não, não. Tá livre”
Ainda tenho uma leve esperança de se tratar de um agente da dengue, procurando focos de água parada. Será que meu copo cheio representa um perigo? Se bem que eu li em algum lugar que a combinação de gelo e limão afasta o mosquito.
“Posso me sentar?”
Será que tem regra de etiqueta nessa situação?
“Fica a vontade”.
Droga.
Alguns instantes de constrangimento se passam. O rapaz é fã dos “por quilos”. O prato do sujeito é recheado com a mistura tradicional que envolve salada, feijão com arroz, um peito de frango e uma coxinha (o ponto de rebeldia do prato). O anel de compromisso indica que o relacionamento com a namorada é recente. Sem qualquer sinal de desgaste tanto na pele quanto no prateado. O crachá da empresa balança em seu pescoço, sendo ameaçado de tempos em tempos por uma garfada exagerada de feijão. Ele ajeita o óculos com o dedo indicador. Acho que ele vai...
“Rapaz isso aqui tá cada dia mais cheio hein?”
Concordo com a cabeça.
Nos momentos de silêncio seguinte brincamos de encontrar um canto do shopping onde o outro não esteja olhando. Começo a apressar o tempo entre um sashimi e outro.
“Hoje o pessoal ficou preso numa reunião, sabe como é empresa né?”
Concordo com a cabeça pela última vez.
“Então rapaz acho que já vou indo. Bom almoço pra você”
“Mas você nem acabou de comer! Oi amigo...”
Deixo a bandeja em cima de um amontoado de garfos, copos e bifes à parmegiana. Será que controlaram a dengue?